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30 de set. de 2015

O AMOR COMEU - TRECHO DO POEMA: OS TRÊS MAL-AMADOS




O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. 
O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. 
O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

João Cabral de Melo Neto


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